TEC

Teatro Experimental de Cascais

ROBERTO ZUCCO

de Bernard-Marie Koltés

TEC Teatro Experimental de Cascais
131ª produção | 2011 

ROBERTO ZUCCO
de Bernard-Marie Koltés
versão e dramaturgia Miguel Graça
encenação Carlos Avilez
cenografia e figurinos Fernando Alvarez
lutas e movimento Georges Stobbaerts
direcção de montagem Manuel Amorim
operação de som Augusto Loureiro
contra-regra e montagem Rui Casares
operação de luz e assistência de ensaios Jorge Saraiva
apoio aos penteados Gena Ramos
manutenção de guarda-roupa Virgínia Pão-Mole
assistência ao espectáculo Gonçalo Brandão, Mariana Viana, Raquel Caneca
comunicação Pedro Salazar
fotografias de cena Alfredo Matos

elenco Ana Nave, Anna Paula, António Marques, Carlos Santos, Fernanda Neves, Gláucia Noémi, 
João Pedro Jesus, Luiz Rizo, Maria Camões, Renato Pino, Rita Cabaço, Santos Manuel, Sérgio Silva, Tomás Alves

QUEM É ROBERTO ZUCCO?
Koltès teve pela primeira vez a ideia de escrever Roberto Zucco quando em 1988 se deparou no metro de Paris com um daqueles posters afixados pela polícia onde se lê "procura-se" por baixo da imagem de um criminoso. O criminoso era Roberto Succo, um jovem esquizofrénico italiano que, dois anos antes, havia aproveitado uma saída temporária de um manicómio criminal - estava preso desde 1981, depois de ter assassinado o pai e a mãe - para se escapar para França, onde raptou, violou, matou, e foi considerado inimigo público número um. Mas em vez de uma havia quatro fotografias, todas elas «tão diferentes que era necessário olhar várias vezes para elas para se ter a certeza absoluta de que era a mesma pessoa»[1], e essa figura real camaleónica terá sido a proposta primeva na criação da personagem fictícia, impossível de realmente conhecer para lá da persona que nos é mostrada e se vai alterando de cena para cena. Meses mais tarde, depois de ter sido capturado em Veneza, sua cidade natal, o verdadeiro Succo conseguiu ainda escapar para os telhados da prisão onde o mantinham preso; Koltès assistiu fascinado às imagens televisivas de um homem que arremessava telhas contra polícias e jornalistas enquanto implorava que o matassem - uma vez que a prisão não era suficientemente alta - e gritava impropérios contra a sociedade, a ex-namorada francesa que o havia denunciado e a ordem em geral. Com isso, decidiu-se a escrever Roberto Zucco.
Se é certo que a peça é inspirada em factos verídicos, não é menos correcto que Zucco não é Succo, e que consciente da proximidade do seu fim, Koltès fez deste seu derradeiro texto uma obra testamentária e reflexiva, onde a beleza poética da linguagem se mistura com recorrentes referências mitológicas, bíblicas e literárias, e onde não há espaço para a banalidade, o que aqui se traduz por investigar os crimes ou encontrar-lhes um significado.
Por um lado, Roberto Zucco é uma espécie de Hamlet do séc. XX. Para além das referências directas à obra, que são bastante explícitas (a primeira cena, por exemplo, em tudo ecoa o início de Hamlet, onde dois guardas vislumbram o Fantasma), Zucco é também melancólico, auto-reflexivo e proto-suicida, e se a prisão do príncipe dinamarquês era a própria Dinamarca, sinédoque do mundo inteiro, para Zucco a prisão é uma verdadeira prisão, e é necessário fugir dela, apesar do conhecimento que, afinal, também o mundo é um cárcere, e que por isso é necessário encontrar geografias improváveis (a neve de África) e, acima de tudo, é necessário estar em fuga permanente: dos pais, da sociedade, do amor, das pessoas, da vida em geral; é preciso fugir do mundo e combatê-lo, mesmo que a fuga e a vitória não sejam possíveis. Mas, por outro lado, Zucco é também um Golias (o mais forte, mas sujeito à derrota), um Sansão (traído por quem o ama), um Ícaro (que se aproxima demasiado do Sol) ou um Teseu (que deambula por um labirinto à procura da saída e enfrenta pelo caminho o Minotauro). São estas, no entanto, referências não chegam para caracterizá-lo na sua totalidade, e por isso talvez o mais simples seja pegar num espelho e ver em qual das personagens vemos a nossa própria imagem reflectida, ou melhor, em qual delas gostaríamos de nos ver reflectidos: se em Roberto Zucco, ou se na restante miríade de figuras que não chegam sequer a ter nome, reduzidos a pais, mães, guardas, putas, chulos ou vozes que surgem ocasionalmente, todas elas ruídos de fundo que apenas transmitem a aparência da normalidade superficial em que existimos.
A morte (e a consciência da sua presença e inevitabilidade) é, no entanto, o tema central da peça. Talvez nem possa ser de outra maneira quando se tem tamanha consciência dela, como Koltès a teria quando a escreveu, já muito debilitado, profundamente certo de que este seria o seu último esforço e o seu último fôlego. Tentar encontrar significados em Roberto Zucco é uma tarefa complexa porque, na verdade, é uma obra profundamente simples: a sua interpretação implica da parte do leitor/ espectador uma espécie de ritual iniciático de uma qualquer religiosidade intrínseca ao ser humano, daí a epígrafe que acompanha o texto, retirada da Liturgia do deus Mitra, e que é tão clara quanto obscura, e o título que Koltès deu às quinze cenas que compõem Roberto Zucco, tão esclarecedores quanto o quisermos ou soubermos.
Quem é Roberto Zucco? É ele próprio que nos reponde: «Sou o assassino do meu pai, da minha mãe, de um inspector de polícia e de uma criança. Sou um assassino». E, mesmo assim, a pergunta mantém-se: quem é Roberto Zucco?

Miguel Graça
[1] Bernard- Marie Koltès citado em Alternatives Théâtrales, 35/6, Junho 1990, p. 41.

M/16 anos



29 NOV. a 18 DEZ. 2011
4 a 9 Janeiro 2012
Qua. a Dom. | 21h30

Teatro Municipal Mirita Casimiro
Av. Fausto de Figueiredo, Monte Estoril 


Fotografias
© Alfredo Matos